Recordando... JERÓNIMO

Anticoar

A paixão de uma vida

É um coleccionador nato. Com apenas 12 anos Manuel Araújo comprou a sua primeira antiguidade, uma lanterna de um navio que guarda religiosamente até hoje. A vida fê-lo seguir outros caminhos, mas foi há três anos que realizou um sonho – abriu, finalmente, o seu antiquário.

Confunde-se com o próprio espaço, aquando os gestos que arqueiam cada peça por ali perdida. Manuel Araújo fala-nos de paixão, a tal que lhe corre no sangue desde sempre, a tal que impele este antiquário repleto de magia. Situando-se no centro de Braga, este espaço dá pelo nome de Anticoar e dedica-se essencialmente à compra e venda de antiguidades, peças de coleccionismo e peças de arte. É notório que, entre faianças e relógios com muitas dezenas de anos, encontramos centenas de quadros originais de diversos artistas que transpiram cores garridas.
Com outra actividade, ligada a seguros, Manuel Araújo pretende agora dedicar-se cada vez mais aquilo que verdadeiramente gosta: as antiguidades. À conversa com “O primeiro de Janeiro”, confessa-nos que voltou este ano à Universidade, desta vez para aprofundar os seus estudos noutra área: “Pensei em aprofundar mais o meu conhecimento, por isso inscrevi-me no curso de Estudos Artísticos e Culturais. O gosto por estas matérias é algo que nasceu comigo ao qual pretendo dar continuidade”.
As três áreas que escolheu representar acabam, no fundo, por lhe dar um estatuto de coleccionador generalista: “Às vezes uma mesma peça é simultaneamente arte, antiguidade e peça de coleccionismo”.
Confessa-nos que é muito difícil, por vezes, desprender-se de determinadas peças: “Há um sentido de pertença enorme, é quase como se cada peça fosse insubstituível”, afirma, enquanto pega num livro enorme, sublime, ao qual desde logo lhe adivinhamos misticidade. “Este livro é o exemplo de uma das peças das quais não me consegui desfazer. É a constituição de Braga de 1697 e está, como vêem, em excelente estado. Ainda cheguei a cedê-lo, mas mandei-o vir para trás. É muito difícil desprender-me das coisas, para mim certas peças têm um encanto especial”.
Fomos descobrindo gradualmente que a loja é apenas um mostruário das colecções que se espraiam além destas quatro paredes. Manuel Araújo guarda em sua casa outras colecções que, “já não cabem na loja”, desabafa.
Confrontado com o mercado, afirma que a crise também se sente neste sector : “A maior parte das peças que aqui estão, foram pessoas que me apareceram na loja a vender e isso é cada vez mais notório. Já quase não saio à procura de peças, só uma vez ou outra pontualmente. De resto, chegam-me sempre aqui coisas diferentes”.
Manuel Araújo define o seu tipo de clientes como: “Pessoas de classe média, cultas e com algum poder de compra que ora se deslocam aqui voluntariamente, ora me ligam a pedir uma peça específica. Tenho vindo a verificar que cada vez mais as peças vendidas são para oferecer. As pessoas procuram aqui presentes”.
Sempre à sombra de alguma timidez, Manuel Araújo lá se foi soltando aos poucos no decorrer da entrevista. Chegado ao ponto em que a conversa derivou para a arte, verificámos nele uma enorme vontade de nos dar a conhecer uma das suas paixões: o pintor e poeta Jerónimo: “Fui comprando os quadros dele ao longo dos anos e neste momento julgo ser a pessoa que tem a maior colecção deste pintor, desde os primeiros quadros que pintou aos 17 anos, até à última tela que estava a pintar antes de morrer e não chegou a terminar. São mais de 80 quadros!”
Amigo e admirador de Jerónimo, é imponente a forma como o descreve, como o sente, como o torna perpétuo no tempo. “A peça mais valiosa que me passou pelas mãos até hoje foi, sem dúvida, um quadro dele que está aqui, que vale cerca de 15 mil euros. Não o vendo, não me consigo desfazer dele”.
Tempo ainda para Manuel Araújo nos falar das exposições que vai fazendo com a obra do Pintor: “A primeira foi na galeria da Câmara Municipal de Barcelos que contou com mais de 1500 visitantes. A segunda foi também em Barcelos e tenho já uma marcada para o próximo mês de Novembro, de 16 a 30, em Viana do Castelo nos antigos Passos do Concelho”.
Fica, então, o convite.

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Jerónimo

Decorria o ano de 1935 quando nasce, em Braga, o poeta e pintor Jerónimo. “Era um homem imponente, frontal, boémio, extrovertido e apaixonado”, é assim a forma como é descrito por Manuel Araújo. Simples e franco, fruto de uma sensibilidade ímpar, era conhecido por afrontar aqueles que considerava poderosos a todos os níveis. O proprietário do antiquário afirma que este: “Como pintor, se morasse noutros lugares, teria sido reconhecido como um dos melhores pintores nacionais”. Manuel Araújo lança ainda: “Não foi conhecido em vida do grande público, mas ainda há-de ser. Como amigo pessoal dele, penso que talvez ele próprio não quisesse a fama. Fazia questão de organizar as suas exposições e de programar a sua vida sem interferência de ninguém”.
Foi o primeiro pintor português a expor em Brasília. Não se preocupava com o dinheiro, pintava todos os dias e afirmava que, enquanto tivesse uma gaveta para arrumar e uma tela para pintar, não morreria. “Deixou-nos aos 68 anos, vítima de ataque cardíaco”, diz-nos Manuel Araújo que nos mostra de seguida um dos seus poemas preferidos:

Vivo dentro da solidão
Do meu tamanho
E espreito aí p´ra fora de fugida...
Suicída ou não cá vivo
- e chega-me espreitar aí p´ra fora
de fugida
a vida.

“Solidão”, Jerónimo


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NOTÍCIA PUBLICADA no
O PRIMEIRO DE JANEIRO

2 comentários:

guida azevedo disse...

SIMPLESMENTE ESTE COMENTARIO:MEU QUERIDO JERÓNIMO... ATÉ UM DIA, MANO <3

guida azevedo disse...

ESTE ERA O JERÓNIMO DE QUEM NUNCA ME DESPEDI... UM BEIJO E UM ATÉ UM DIA DA TUA MANA...