DISCURSO de Boas-Vindas

NA VISITA GUIADA A ESTA FREGUESIA, o nosso conterrâneo AGOSTINHO BORGES GOMES foi o orador oficial que proferiu o seguinte DISCURSO de APRESENTAÇÂO:
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Ex.mo Senhor Presidente da Câmara!
Ex.mos Senhores Vereadores!
Ex.mos Senhores Membros das Juntas de Freguesia!
Senhores Acompanhantes!
Meus Conterrâneos!


Veio no jornal do Correio do Minho de Junho de 2004 que a freguesia de S. Julião de Passos só entrou para o concelho de Braga em Outubro de 1853.
De onde veio então a freguesia de S. Julião de Passos?
Antes desta data a que concelho pertencia?

A resposta é a seguinte:
 Veio do concelho de Penafiel de Bastuço, cuja sede civil e militar se encontrava ali, no nosso Monte de Baixo, em terreno de S. Julião.
E foi o seu castelo que inspirou para a concepção do emblema e bandeira da nossa freguesia.

Porém, o povo antigo de S. Julião teve uma atitude contraditória:
 Por um lado, destruiu todos os vestígios da sede do concelho e seu castelo, chegando mesmo ao ponto de destruir o “ç de cedilha” da palavra Paços, inventando que a palavra vinha do Senhor dos Passos de Cabreiros, roubado aquando de uma procissão tangente à fronteira desta freguesia.
Ora, a freguesia chamava-se S. Julião de Palácios, que deveria dar origem a Paços com um “ç de cedilha”, como aconteceu noutra terras. Porém, reconheço que os partidários dos dois “ss” venceram. E hoje não há nada a fazer.

 Por outro lado, o povo antigo conservou umas lendas sobre a fortaleza militar, que eles apelidavam de Castelo dos Mouros, as quais lendas ocasionaram a que o Padre Mário César Marques descobrisse a História da freguesia, que ele publicou, em 1964, no Boletim Cultural de Etnografia e História, de nome “O Distrito de Braga”, onde anunciava ter encontrado o local do Castelo da Pena ou de Penafiel de Bastuço, que os investigadores procuravam desde longa data, por isso tendo o Padre Mário direito ao nome num Largo da freguesia.

O mais interessante é que o povo do tempo da minha infância acreditava piamente nestas lendas, como de um dogma se tratasse, e as contavam nos seus serões.

Conta uma lenda que os mouros eram constituídos de grande força muscular. A prova era a seguinte:
 Existia um ferreiro no Monte de Cima, ali onde ainda hoje é o Lugar do Ferreiro. Quando os mouros do castelo, situados no Monte de Baixo, precisavam de aguçar os picos, (que era um instrumento de trabalhar a pedra), enviavam-nos para o ferreiro do Monte de Cima, através dos ares, apenas com o impulso de seus braços. E o ferreiro, que também era mouro, depois de os aguçar, devolvia-os também através dos ares.

Segunda lenda:
 Os mouros eram tão maus que todos aqueles, que se aproximassem ou tentassem tomar o castelo, tinham como castigo serem metidos dentro de um pipo, tampado, carregado de grandes pregos, cravados com a ponta voltada para o interior do pipo, e lançados a rolar pelo monte abaixo, morrendo no sopé do monte, esvaídos em sangue, dentro dos pipos.

Terceira lenda:
 Os mouros possuíam grande riqueza em ouro. Como o ouro não cabia todo debaixo do penedo do castelo, esconderam-no também debaixo do chão, em sítios bem dissimulados, que lá diz o ditado popular: “entre o Castelo e o Mirão, trinta pipas de ouro hão”.

Quarta lenda:
 Os mouros, além de maus e de grande força muscular, eram versados em artes mágicas.
Assim, mesmo que alguém conseguisse aproximar-se do castelo, não era capaz de entrar.
O mistério desvendou-o certo rapaz, guardador de gado. Certo dia, este rapaz abandonou o gado e, sorrateiramente, foi espiar o castelo, protegido por uns arbustos. Reparou então que os mouros, para abrirem as portas, usavam a técnica mágica das seguintes palavras: «Abre-te Sésamo!». Pronunciavam esta fórmula e o penedo abria em dois, mas fechava-se de seguida, após os mouros entrarem.
Daí a um bocado, por coincidência, todos os mouros do castelo saíram, afastando-se das redondezas. O rapaz então aproveitou e dirigiu-se ao penedo, que servia de base ao castelo, e pronunciou as palavras mágicas: «Abre-te Sésamo!». E o penedo logo se abriu, fechando-se de seguida, depois de ele entrar. O rapaz não perdeu tempo. Maravilhado com tanta riqueza em ouro, ficou surpreendido quando encontrou um compartimento horroroso, onde jaziam cadáveres de cristãos, todos nuzinhos, com uma forja a um canto.
Atarantado, logo tratou de arrecadar o ouro que podia, num grande saco, dirigindo-se de seguida para o lugar por onde entrou.
Mas Azar dos Azares! Tinha-se esquecido da fórmula mágica, para o penedo se abrir. Por mais que puxasse pela cabeça, as palavras não lhe vinham certas.
Mas só com a fórmula exacta o penedo se abria!
Passado algum tempo, chegaram os mouros. O rapaz, aflito, como não fosse capaz de sair, astuciou esconder-se no meio dos cadáveres dos cristãos, pondo-se também nuzinho como eles.
Mas... que os mouros deram logo por ela que alguém andou ali a mexer e, para cúmulo, havia um cadáver a mais!...
Como o rapaz disfarçasse muito bem, não eram capazes de descobrir este mistério. Mas como os mouros não eram burros, aqueceram um ferro em brasa, na forja, e cravaram-no no ânus de cada morto, que, chegando à sua vez, o rapaz não aguentou semelhante dor e deu um grande grito... Foi então logo ali morto, sem dó nem piedade.

Quinta lenda:
 Finalmente, como os cristãos não podiam vencer os mouros pela força, lembraram-se de um expediente.
Como existia na freguesia um cabreiro com grande rebanho, serviram-se deste para a vitória final.
Escolheram então uma noite de Lua Nova, em que as noites são mais escuras, agarraram tochas aos chifres das cabras e encaminharam-se em direcção à encosta do monte do castelo, com as cabras bem espalhadas para mais aparato.
O sentinela da torre do castelo, que aquilo viu, acordou todos os habitantes do castelo, os quais se atemorizaram, principalmente quando aquelas luzes desembocaram encosta acima, concluindo eles tratar-se de um grande exército inimigo, em marcha para o castelo.
Os mouros deram então à debandada, sem se esquecerem de encantar as riquezas em ouro e sem se esquecerem de encantar alguns companheiros, para guardarem aquelas riquezas, pois tencionavam voltar um dia.

A prova mais que provada que há encantamento no penedo do castelo é que um guardador de gado, mais recente, encontrou uns figos pretos no cimo do penedo, sendo ali um lugar onde não há figueiras. Lembrou-se então de agarrar alguns, metê-los ao bolso e levá-los para casa, para mostrar aos pais e aos irmãos. Mas quando os tirou do bolso, os figos tinham-se transformado em ouro, bem amarelinho. Quando o rapaz contou que ainda lá ficaram muitos, a família desatou a correr, mas, quando lá chegou, os figos nem vê-los.

O povo ensina-nos que há apenas dois modos de quebrar o encantamento do penedo do castelo e sacar de lá todo o ouro existente:
 Uma maneira é usar o livro de S. Cipriano.
 Outra, é a utilização de rezas apropriadas, por um padre.

Tal ousadia teve-a um Padre da freguesia de S. Julião de Passos, no tempo em que os padres usavam tamancos, que, munido de um livro de rezas e acompanhado de meia dúzia de paroquianos, dos mais destemidos, resolveu abrir o penedo.
Só que o Padre não podia vacilar nem se enganar nas suas rezas. E, no caso de haver engano, teria de começar a reza desde o princípio, pois não adiantava nada perder tempo com emendas.
O Padre, revestido de sobrepeliz, vacilar não vacilou, nem se enganou. Leu, leu, leu... só que, a determinado ponto da leitura, ouviram-se ruídos como trovões. O Padre, sem se deixar perturbar, continuou lendo, lendo, lendo, embora os acompanhantes já aterrados e sem sangue.
Os trovões continuavam e o Padre lia, lia... com paciência e com firmeza. O pior foi quando, a certo momento, das entranhas do penedo começaram a sair figuras vemelhas, como diabos, armados com forcados. Um acompanhante do Padre, sem se saber como, apareceu logo escarrapachado na escacha de um carvalho. Os outros, incluindo o padre, deram bem à sola, imediatamente, abandonando o infeliz colega.

Notícia no CORREIO DO MINHO, de 23/Abril/08